terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

SIM, EU SOU TUTOR DO MEU IRMÃO! - Uma reflexão sobre o cuidado com o outro




Texto Motivador: Gênesis 4.8 - 10 (JFA-ERAB):

            8 Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou. 9 Disse o SE-NHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: Não sei; acaso, sou eu tutor de meu irmão? 10 E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim.

Mahatma Gandhi  um dia disse: “Respeito o Cristo dos Cristãos, mas desprezo o cristianismo deles.” Essa foi a frase dita por ele, a respeito do cristianismo praticado pelos colonizadores cristãos que tanto espoliaram e escravizaram em seu empreendimento colonialista na Índia.

De fato, temos que admitir que um cristianismo que seja indiferente ao sofrimento do próximo não merece respeito; um cristianismo, ou mesmo uma religião, que seja conivente com a opressão e o assassinato desumano do seu irmão, do seu próximo, é absolutamente desprezível.

O texto de Gênesis 4 talvez possa nos dar alguma ajuda para tratarmos dessa questão. O episódio narrativo de Caim e Abel se insere no contexto do conflito histórico entre os pecuaristas nômades e os agricultores sedentários do antigo Oriente Médio... Enquanto os pastores precisavam caminhar livremente pelas terras circunvizinhas em busca de pastagem e água, os agricultores tendiam a privatizar a propriedade e a expulsar quem as invadisse... Na perspectiva bíblica, Deus aceita (hebr. sha’ah = respeita, considera) o sacrifício dos pastores proscritos, e rejeita (não respeita, não considera) a oferta dos agricultores egoístas que expulsam seus irmãos pecuaristas da terra.

Esse é o palco do episódio narrativo que culmina com a tragédia do assassinato de Abel por seu irmão Caim. Na narrativa, um termo chama a atenção: “tutor”. O substantivo “tutor” aparece em, pelo menos, duas passagens bíblicas – uma no AT, neste trecho de Gênesis 4 (v.9); e outra no NT, em Gálatas 4. 2 que diz: No entanto, está sujeito a tutores e administradores até o tempo determinado por seu pai... Em Gálatas o termo é usado no seu sentido forense/jurídico, significando aquele que protege, ampara, dirige ou o defensor de alguém, principalmente no período em que esse alguém é considerado incapaz de responder por si próprio.

Já, em Gênesis “tutor” é usado no sentido agrícola... (lembremo-nos que Caim era lavrador – cf. v.2), significando “estaca ou vara fincada no solo para amparar e sustentar uma planta cujo caule é flexível ou demasiado débil” (cf. Dicionário Michaelis).
Hoje, me parece que a concepção que devemos ter em mente não é a de Gálatas, mas a de Gênesis. Assim, gostaria de propor que, por oposição, podemos aprender, com a história de Caim e Abel, que suportes um/a tutor/a deve oferecer para seu irmão, para sua irmã.

O primeiro suporte que um/a tutor/a deve oferecer é a sinceridade (versus a Falsidade de Caim): Caim parece gentil, amável e interessado quando convida seu irmão (’ach): “— Vamos ao campo” (v. 8a) [no original, conversam, quando estavam no campo]. Sabemos que as intenções de Caim não eram as melhores, por isso sabemos também que seu convite é falso e hipócrita.

Todos/as temos “amigos” como Caim que nos chegam sorrindo, cheios de gentilezas, mas que atrás estão escondendo um punhal. Ora, um tutor deve, ao contrário, ser absolutamente sincero (do latim sin+cere = sem cera). No Teatro da Antigüidade, era prática comum os atores usarem máscaras de cera para representar. O teatro é representado por duas máscaras: uma sorrindo e outro chorando. Daqui deduzimos que uma pessoa sincera é aquela que não usa máscaras: não emite sorrisos forçados nem “lágrimas de crocodilo”.

Devemos, portanto, assumir um compromisso em nosso grupo de tutoria: aqui ninguém será obrigado a representar. Aqui podemos ser autênticos, e ninguém será reprovado por isso. Podemos nos alegrar com os que estiverem alegres, e poderemos chorar com os que estiverem tristes. Ninguém precisa esconder seus sentimentos, sejam eles de contentamento ou de pesar.

Além da sinceridade, o/a tutor/a deve ainda oferecer um segundo suporte, o da lealdade (versus a Deslealdade – traição – de Caim): Caim trai terrivelmente a confiança do irmão que aceita o convite para passear com ele no campo. Em lugar de desfrutar de alegres momentos de lazer, Abel foi vítima de uma traição cruel e fatal (v. 8b): Caim “se levanta” (quwm = colocar-se acima, sobrepujar) violentamente contra Abel.

Todos já passamos pela experiência de sermos traídos por algum amigo ou amiga. E essa é uma experiência que provoca a morte de muitas amizades. Um tutor, ao contrário, deve ser extremamente leal. Jamais agirá pelas costas. Jamais trairá voluntariamente a confiança de seu irmão ou de sua irmã. Pois, o nosso compromisso “ é “ ético, portanto, implicará em lealdade com as pessoas... Principalmente na Igreja e nas células. Não teremos o direito de falar ou agir “pelas costas” uns dos outros, umas das outras. O que tivermos que tratar ou resolver, deverá ser feito aberta e francamente.


Mas não basta ser sincero e leal se o/a tutor/a não oferecer o terceiro suporte, a solidariedade (versus a Indiferença de Caim): Quando perguntado por Deus sobre o seu irmão, Caim respondeu: “— Não sei: acaso sou eu tutor (shamar) de meu irmão?” (v. 9). Eis aí a semente da indiferença para com o próximo que tanto indignava Gandhi.

“Não tenho nada com isso”. “Não estou nem aí”. “E eu com isso?” São todas expressões correntes na experiência cotidiana de todos nós... Que não temos nada a ver com as coisas e com as pessoas.

O tutor seria, então, aquele que é solidário. Aprendemos que o amor de Deus por nós (e que ele espera de nós) é mais do que o amor físico (que depende de nossas qualidades estéticas), e mais do que o amor fraterno (que depende de nossas qualidades morais), aprendemos que o amor de Deus é a completa so-li-da-ri-e-da-de (que é gratuita e incondicional). Não o amor de quem tira, mas o daquele que dá a vida pelo/a seu/ua irmão/ã e não fere, não mata, não esquece e não ajuda.

Não basta ser sincero, e não ser desleal, é preciso ser so-li-dá-ri-o: isto é, amar concretamente.

Concluindo esse sermão: O texto de Gênesis que nos inspira termina por nos mostrar que Deus é o Tutor dos tutores. Ele é o nosso sustento. A sua sinceridade, lealdade e so-li-da-ri-e-da-de é tal que ele ouve até a voz dos que já não têm mais voz:

“E disse Deus: Que fizeste? A voz (qowl = grito) do sangue de teu irmão clama da terra a mim” (v. 10).

Não, é por acaso que somos mesmo apoio e suporte, tutores e tutoras de nossos irmãos e irmãs! [1]

Que a nossa Igreja caminhe com fidelidade e honra primeiramente com Deus e depois com o próximo... Já que o texto de 1 João 4. 20 nos diz: Se alguém declarar: “Eu amo a Deus!”, porém odiar a seu irmão, é mentiroso, porquanto quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não enxerga. 

Vamos pensar nisso e viver um ano diferente em 2018 que venha com cuidado e respeito...

Esse artigo é do Pastor e Professor Luiz Carlos Ramos que durante muitos anos nos ensinou a importância do cuidado com o próximo respaldada com a Palavra de Deus.


[1] http://portal.metodista.br – Acesso em 13 de fevereiro de 2018.

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